A IMPORTÂNCIA DO OLHAR PSICANALÍTICO NA CLÍNICA PSICOPEDAGÓGICA
Greice
Herédia Moura
Muitas das dificuldades de
aprendizagem são sintomas de distúrbios emocionais, por outro lado, as
dificuldades de aprendizagem afetam a saúde emocional do sujeito, influenciando
sobre o desenvolvimento da organização mental e por vezes a personalidade da criança.
Por esses fatores psicógenos é que a Psicanálise tem trazido à prática clínica
psicopedagógica grandes contribuições ao permitir uma melhor compreensão das
concepções psicanalíticas que participam na compreensão dos processos
pedagógicos como, por exemplo, as funções simbólicas, a organização do
pensamento, estruturas da personalidade, as influências do inconsciente sobre a
vida consciente, tipos de ansiedade, características da estrutura do ego,
investimento afetivo, agressividade, ansiedade, fixações, regressões, inibições
e mecanismos de defesa. (LEVISKY, 1991)
Sobre a importância do
olhar psicanalítico na clínica psicopedagógica, Fernández (1991, p. 70)
comenta:
Porém, um psicopedagogo, cujo objeto
de estudo e trabalho é a problemática de aprendizagem, não pode deixar de
observar o que sucede entre a inteligência e os desejos inconscientes.
Freud, o pai da
Psicanálise, foi quem formulou a teoria topológica da estrutura da mente, na
qual encontramos os conceitos de mente inconsciente e mente consciente. Na
mente inconsciente há guardado os conteúdos dos quais não temos acesso em
condições normais e que dificilmente vem à consciência, mas que determinam a
ação do sujeito. São lembranças e sentimentos que podem trazer grande dor,
culpa ou vergonha. Assim seu acesso é negado a consciência através de um
mecanismo ou força inicial de repressão e depois de resistência. O conteúdo
acessível à mente consciente que faz parte de uma lembrança ou sentimento
passado é armazenado no pré-consciente. A mente humana pode trazer esse
conteúdo a consciência através de um simples esforço da memória. A mente
consciente também se apropria dos fatos e das vivencias imediatas, bem como dos
sentimentos e sensações que estas despertam. (ASSIS, 2007)
Na Psicanálise, a descoberta
da resistência e da repressão marcam a gênese do conceito de mecanismo de
defesa e posteriormente o modelo dinâmico da estruturação da personalidade, Id,
Ego e Superego. Isto porque, segundo Fiori (1981, p. 20):
Por exemplo, se por motivos éticos e
estéticos, o consciente não podia suportar a percepção de uma vivência e
mantinha permanentemente a resistência bloqueando esta percepção, isto poderia
ser visto como uma indicação inexplicável de que o consciente sabia o que não
queria saber. Não se pode considerar inadequado o que não é conhecido.
O Id, estrutura quase em
sua totalidade inconsciente, é o reservatório de energia e corresponde aos
instintos mais primitivos do sujeito. Freud (1976).o
identificava como um caldeirão cheio de excitações fervescentes, que desconhece
o julgamento de valores, o bem e o mal. Na busca da satisfação imediata das
necessidades “não questiona qualquer aspecto da adaptação do desejo à realidade
física, social ou moral” (FIORI, 1981, p. 22) pois está no grau da fantasia.
O Superego, outra
estrutura da personalidade, é o oposto do Id. Esta é responsável pela
organização das regras sociais ou culturais aprendidas pelo sujeito desde a
infância. Uma vez internalizadas as condutas aceitáveis ao grupo social onde o
sujeito está inserido, está formado o superego que fará parte deste quando
tiver que julgar entre o certo e o errado. Podemos dizer que o superego é a
moralidade do sujeito, que acarretará em sentimentos de culpa caso haja
transgressão dos valores internalizados. Freud o descreve como o "defensor
da luta em busca da perfeição - o superego é, resumindo, o máximo assimilado
psicologicamente pelo indivíduo do que é considerado o lado superior da vida
humana" (Freud, 1976, p. 67).
O Ego é a estrutura que
serve de intermediário entre o processos internos, o Id e o Superego, e os
relaciona com a realidade. “Cabe ao Ego efetuar conciliação entre os desejos e
proibições internas e desejos e as proibições da realidade objetiva, de forma a
possibilitar a atuação conciliatória mais produtiva do sujeito” (Fiori, 1981,
p. 27). É este quem vai dominar sobre a práxis, funções lógicas e operatórias
do pensamento, a memória, pois é o setor mais organizado e atual da
personalidade.
Os mecanismos de defesa
são funções inconscientes do Ego, que situa-se em parte no consciente e em
parte no inconsciente. Estes servem para proteger o sujeito de uma possível
angústia insuportável, afastando o evento gerador dessa angústia da percepção
consciente. Vejamos alguns desses mecanismos conforme descritos por Fiori
(1981):
Repressão
e Resistência : Enquanto
a repressão impede que pensamentos dolorosos e angustiantes se infiltrem na
consciência, a resistência os mantêm por período indeterminado no inconsciente.
Estes são os principais mecanismos existentes, dos quais derivam os outros.
Divisão
ou cisão: Quando o
sujeito não aceita que seu objeto de estima contém características que
despertam o amor e o ódio ou temor, o divide em dois. Uma parte para amar, e
outra para odiar sem culpa.
Negação: este mecanismo consiste em negar os
fatos que causam angústia, ansiedade, culpa ou vergonha.
Projeção: Este mecanismo consiste em afastar as
angústias causadas pelo próprio fracasso e atribuir a outros essa
responsabilidade que na realidade é sua.
Racionalização: Consiste basicamente em justificar,
através de argumentação racional, as ações ou sentimentos que se considera
inadequado a fim de proteger o Ego.
Formação
reativa: Este
mecanismo mantém o impulso, ato ou sentimento indesejado reprimido ao
superenfatizar um impulso, ação ou sentimento contrário. Ou seja, o sujeito mantém
uma atitude extremamente oposta ao desejo do Id recalcado.
Identificação: Diante do sentimento de inadequação,
o sujeito identifica-se com alguém a quem valoriza, passando a desejar ser ou
sentir-se como ele.
Regressão: Ocorre quando o sujeito volta a
níveis de desenvolvimento anteriores a fim de sentir-se mais valorizado ou pelo
medo que possui de crescer.
Isolamento: Consiste em isolar um sentimento,
atitude ou comportamento com o qual não se consegue lidar ou elaborar. Assim o
sujeito não precisará lidar com este, pois não causa mais ameaças.
Deslocamento:
Consiste em deslocar
os sentimentos agressivos dos objetos, reais donos ou provocadores destes
sentimentos, a outros, que considera menos perigosos.
Sublimação:
Consiste na busca de
modos socialmente aceitáveis de satisfazer as pulsões do Id. É um mecanismo
característico de um sujeito saudável e faz parte do desenvolvimento da
aprendizagem na criança.
Quando a criança volta seu interesse
afetivo (libido) para o conhecimento e para a escola, este direcionamento dá a
ela a possibilidade de controlar suas ansiedades e encontrar novas vias de
prazer através deste direcionamento. Esta orientação em sua vida afetiva atenua
os sentimentos de culpa oriundos de fantasias sexuais diretas. (LEVISKY, 1991,
p. 49)
Durante o período de
latência, fase que abrange dos 6 ou 7 anos até o início da puberdade, a criança
satisfaz seus prazeres orais de incorporação e destruição através da
incorporação do conhecimento, do rasgar, desmontar, cortar objetos. Os prazeres
sádicos e visuais são sublimados no ato de pesquisar e observar. As fantasias
de penetração, pela curiosidade acerca do funcionamento do corpo e outras
coisas ou seres. Dessa forma atenua os sentimentos de culpa ao sublimar esses
desejos, oriundos das fases de desenvolvimento psicossexual anteriores,
considerados impróprios socialmente. (FIORI, 1981; LEVISKI, 1991)
Os prazeres orais de
incorporação são oriundos da fase oral
do desenvolvimento psicossexual, onde a libido está organizada em torno da zona
oral. Esta fase abrange basicamente o primeiro ano de vida da criança onde a
estrutura sensorial mais desenvolvida é a boca. É por esta boca que a criança
se mobilizará na luta pela sobrevivência, pelo descobrimento do mundo e da
afetividade.
Na fase anal, período que abrange o segundo ano de vida, a libido se
organiza em torno da região anal. Nesse período é que se dará a maturação do
controle muscular da criança, permitindo um controle dos esfíncteres.
As fezes nesta fase
assumem o papel central na fantasia da criança, sendo considerado por esta um
objeto a ser dado como troféu ou reprimido como punição aos pais. Conforme sua
aceitação social será visto como objeto de valor ou repulsa pela criança. Essa aceitação
será levada por esse sujeito durante toda a sua vida, fazendo com que este veja
suas produções ou condutas como adequadas ou inadequadas.
A fase fálica abrange do terceiro ao sexto no de vida da criança, e
compreende uma nova organização da libido, que passa a ser dirigida para os
genitais. Inicia-se neste período o conceito de gênero. “Curiosamente esta
discriminação sexual não caracteriza a existência de dois genitais, o masculino
e o feminino, mas apenas a presença ou ausência do pênis. [...] O menino exibe
seu membro orgulhoso”, enquanto a menina sente falta do seu. (FIORI, 1981, p.
41 e 42)
Após o período de
latência, descrito anteriormente, vem a fase
genital. Segundo a Psicanálise, alcançar esta fase significa atingir o
pleno desenvolvimento do adulto normal. O sujeito passou pelas adaptações
biopsicossexuais, desenvolveu seu intelecto, sua capacidade de amar, de
competir e viver em sociedade. (FIORI, 1981)
Freud, Erikson, Spitz,
Winnicott e Bowlby são alguns dos psicanalistas que argumentam da importância
das primeiras relações vinculares. Embora possamos notar um crescendo no
conhecimento sobre as relações objetais e certas divergências, são unânimes ao
afirmar que o cuidado materno e o apego nos primeiros anos de vida são de
extrema importância para o desenvolvimento da criança e a construção do senso
do self. São características
biológicas, sociais, sexuais e mentais que este sujeito carregará pelo resto de
sua vida e que influenciarão a formação de sua identidade, sua maneira de agir
e pensar. (SCHERMANN &BRUM, 2004)
Caso essas primeiras
relações não sejam saudáveis, a criança passará por crises no desenvolvimento
ou conflitos intra-psiquicos. O que fará com que apresente movimentos de
fixação e/ou regressão da libido, que desencadeará certos mecanismo de defesa
para tentar suprimir a elevação do nível de ansiedade suportável para o ego. “A
consequência é que tal situação enfraquece suas possibilidades de lidar e
suportar as angústias oriundas de seu desenvolvimento na vida escolar”. Isso pode
ocorrer em maior ou menor escala de duração ou intensidade, dependendo da
estrutura de personalidade desta criança. (LEVISKI, 1991, p. 51)
Neste sentido, o trabalho
do psicopedagogo com esses sujeitos, segundo Leviski (1991, p. 54), seria o de:
... ajudá-las no processo de
elaboração e desenvolvimento de suas capacidades estruturais e dinâmicas, de
suas funções egóicas no processo de identificação, na elaboração de seus
conflitos conscientes e inconscientes e no desenvolvimento de uma instancia
criativa. [...] à prática clínica do psicopedagogo, o qual entendo deve ter
conhecimento dos aspectos estruturais, dinâmicos e econômicos que constituem a
atividade psíquica, para que possa melhor compreender e desenvolver o trabalho
psicopedagógico.
Na clínica psicopedagógica,
torna-se necessário um trabalho avaliativo na área socioafetiva que proporcione
produtos concretos para um diagnóstico mais acurado e, também, um ponto
referencial para analise da eficácia da intervenção. Os testes projetivos é que
cumprem esse papel. (ROSA, 2009)
BIBLIOGRAFIA
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D. L. Algumas contribuições da psicanálise à psicopedagogia. In: SCOZ, B. J. L.
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L.; BRUM, E. H. M. Vínculos iniciais e desenvolvimento infantil: abordagem
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Abr./Jun. de 2004, p.457-467. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/csc/v9n2/20399.pdf. Acesso em: 04 de Out. de 2012.